Falando de V Colóquio de Psicanálise e Educação fiquei muito feliz em apresentar a minha pesquisa de mestrado ... mais ainda em ter na platéia Thamy Ayouch e Carmem Carvalhares, além de outros colegas do grupo de pesquisa e participantes do Colóquio ...
Abaixo segue o texto que foi publicado nos Anais ...
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE DO FUXICO
NUMA ARTICULAÇÃO COM A INIBIÇÃO DA APRENDIZAGEM.
Ludmilla
Lopes da Fonsêca[1]
Resumo
O presente trabalho busca uma articulação metafórica
da relação entre inibição da aprendizagem e fuxico arte. O mesmo é um recorte
da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós graduação em Educação
e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia e visa contribuir para a
educação contemporânea através da avaliação dos debates atuais no campo da
educação através de proposições em torno da temática dificuldade de aprendizagem. São apresentadas concepções
teórico-epistemológicas principalmente nas áreas de educação, psicologia e
psicanálise. O foco terminológico se dá na “inibição
no ato de aprender” com vistas à possibilidade de ampliação dos estudos de
tal fenômeno, pois o compreendo como aquele que dá possibilidade de
entendimento com relação a uma função, não tendo necessariamente, uma
implicação patológica o que também o faz transitório. A inibição é a demanda
que ocorre, unicamente, na dimensão do eu e se expressa como uma limitação
funcional neste caso trato da inibição do saber e tenho como problema avaliar
de que maneira o professor lida com os afetos prazerosos/desprazerosos que
envolvem a relação com o aluno no processo de inibição no ato de aprender e
como objetivo geral analisar os processos constitutivos do aluno com inibição
no ato de aprender com vistas a encontrar alternativas que emerjam no aluno o
desejo aprendente. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e os instrumentos
selecionados para coleta foram: observação, entrevista narrativa e narrativa
imagética. A análise dos dados foi tratada pela análise do discurso, os
sujeitos em número de seis foram selecionados pelo critério do desejo e o locus optou-se por uma escola da rede
municipal da cidade de Salvador. Os achados desta pesquisa estão representados pelas
falas e expressa-se nas (in)conclusões que para pensar essa inibição faz-se
preciso escutar para que o aluno encontre na sala de aula seu lugar para
aprender.
Palavras
– Chave: Inibição, Psicanálise, Educação, Aprender
1 LETRAS INTRODUTÓRIAS
Uma avaliação
dos debates atuais no campo da educação é suficiente para perceber um contíguo
de proposições em torno da temática dificuldade
de aprendizagem. Na tentativa de explicação destas sucedem-se novas
concepções teórico-epistemológicas principalmente nas áreas de educação,
psicologia e psicanálise.
Diferentemente do
utilizado no senso comum neste trabalho o foco terminológico se dá na “inibição no ato de aprender” visando à
possibilidade de ampliação dos estudos de tal fenômeno, pois o compreendo como
aquele que dá possibilidade de entendimento com relação a uma função, não tendo
necessariamente, uma implicação patológica o que também o faz transitório. A
inibição é a demanda que ocorre, unicamente, na dimensão do eu e se expressa
como uma limitação funcional neste caso trato da inibição do saber.
A pedagogia
articulada com a psicanálise tem sido uma via de entrada do desejo no campo da
educação para tratar o sintoma, que se manifesta no sujeito através da inibição
no ato de aprender e deste modo sabe-se que, para haver aprendizado, é preciso
haver desejo e este apenas se coloca quando, no processo de estruturação
psíquica da criança, ocorre a intervenção da Lei paterna. Estas dimensões se
articulam através da dialética que se estabelece entre princípio do prazer e da
realidade, configurando-se assim a dialética da autonomia e da heteronomia.
Diante de
tais fatos estabeleço metaforicamente a relação da inibição da aprendizagem com
o fuxico arte. Ou seja, o fuxico o qual trabalho é aquele que diz respeito à
arte, a construção, ao movimento, a diferença. Penso no fuxico enquanto arte
sendo o aluno “com” inibição no ato de aprender aquele retalho de pano que é
subaproveitado, retirado da peça de tecido principal por não servir mais e, ao
causar inquietação no que diz respeito ao que fazer dele o mesmo é entregue
para que um outro possa dar um
destino àquelas tiras irregulares, fora de padrão. Diante de tal exposição
refiro que a metáfora do fuxico e sua
conexão com a inibição no ato de aprender é a minha tentativa de contribuição
com a proposta de interface entre psicanálise e educação.
2 DESVELANDO O OBJETO ESTUDADO
Conforme já mencionado
as letras aqui exibidas são fruto de um recorte da dissertação de mestrado
apresentada ao Programa de Pós graduação em Educação e Contemporaneidade -
PPGEduC sediado na Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
A pesquisa
aconteceu tendo como locus uma escola
pública situada num bairro central da cidade de Salvador a partir da demanda
enquanto psicóloga na Secretaria Municipal de Educação desta cidade sempre
convocada para dar conta de inibição no ato de aprender de alunos do ensino
fundamental. Semelhante ao que acontece na confecção da peça artesanal “fuxico”
os capítulos da pesquisa foram divididos em passos conforme descrito à seguir:
O primeiro
passo do fuxico se
refere à construção do molde para que os retalhos sejam recortados no formato
redondo este foi referido na pesquisa e nomeado de Introdução de modo que antecipou o panorama a ser tratado no
escrito na interface com a história acadêmica pessoal da autora e do processo
introdutório do aprender.
O segundo
passo do fuxico é a
transposição do molde para o tecido e logo após o recorte do círculo, este capítulo
nomeado Educação contemporâneareferiu
acerca da avaliação dos debates atuais no campo da educação e trouxe a educação
contemporânea de um modo mais generalizado; ainda é referindo sobre o cenário
desta educação contemporânea e trazendo algumas problematizações que visaram à
ampliação do olhar e a articulação com teorias que sustentam uma nova
perspectiva do aluno; o atravessamento da psicanálise na educação emergindo
como um novo estilo, perpassando pela importância da escuta analítica à
educação contemporânea. Em seguida, foi apresentado ainda neste capítulo a
descrição e discussão do panorama da educação, onde se apresentou
esclarecimentos etimológicos sobre dificuldade, fracasso e inibição e ainda questões
sobre o atravessamento da educação pela psicanálise, de forma a marcar a escuta
como uma contribuição psicanalítica à leitura do fenômeno intitulado de inibição no ato de aprender.
O terceiro
passo do fuxico é o
alinhavo, discorreu-se neste capítulo denominado Constituição do sujeito da aprendizagem e inibição no ato de aprender,acerca
da relação da constituição do sujeito na aprendizagem e a inibição no ato de
aprender, metaforicamente também fazendo alusão ao alinhavo borromeico[2]
no que tange o papel da família nesta estruturação, e como o professor se
estrutura na relação com a inibição no ato de aprender.
No quarto
passo do fuxico
temos que puxar o alinhavo delicadamente para que o franzido se forme e
efetivamente a unidade se constitua. Neste capítulo nomeado Fuxico por fuxico numa estampa singular
tratou-se da metodologia, da escolha dos instrumentos, dos marcos teóricos, do locus, dos sujeitos e da análise dos
dados de maneira que foi refido o escopo do que está presente como elemento fundante
na investigação que forma esta peça final de fuxicos apresentada como uma
dissertação de mestrado.
No quinto
passo do fuxico após
as unidades construídas fazemos a junção através do alinhavo final para dar
forma à colcha de retalhos. Neste capítulo intitulado de Juntando os Fuxicos foram apresentadas considerações finais com um
amalgamar da teoria usada e dos dados colhidos deixando em aberto alguns pontos
que serão certamente alvo da continuidade dos estudos nesta metáfora tão
singular.
3
FUXICO ARTE E EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
É no campo de
concepções conceituais cognitivas, afetivas e sociais que encontra-se o
professor contemporâneo. Este por vezes marca o aluno como possuidor de
“dificuldade de aprendizagem” denunciando aparentemente, sem saber, sua
incapacidade de lidar com a diferença, com a sua idiossincrasia, cristalizando
uma inscrição que poderá no individual fazer signo com o significante,[3]
instaurando uma situação de ordem simbólica que não temos como mensurar a forma
com a qual a mesma pode atingir o sujeito nos seus processos inconscientes.
Concordo desta maneira com Cohen (2009) quando a autora diz:
É impossível
precisar uma única causa do fracasso escolar, generalizá-la e dizer se é falsa
ou verdadeira. Desta forma, não sendo possível localizar a verdade sobre o que
gera essa problemática, faz-se uma aposta, uma escolha. A etiologia do fracasso
escolar é indecidível, porque sempre fará parte de uma determinada contingência
educacional, ou seja, não há uma verdade calculável, que possa dizer sobre as
suas manifestações para todos. (COHEN, 2009, p. 74)
A autora neste
fragmento refere sobre a impossibilidade de precisar uma causa para o fracasso
escolar e diante disso corroboro afirmando que não devemos pensar na inibição
no ato de aprender de modo hedonista numa tentativa de buscar uma causalidade,
pois tal inibição é multifatorial. Vale neste momento abrir um adendo para
tentar esclarecer sobre questões referentes às nomenclaturas acerca da
aprendizagem. De modo geral a utilização pela escola do termo “dificuldade de
aprendizagem” traz nas entrelinhas o viés no qual nesta terminologia estão
inseridas questões de ordem orgânica e de ordem simbólica, sendo as mesmas
temporárias ou não. Como afirma Fernández (1991, p. 74) “a linguagem, o gesto e
os afetos agem como significados ou como significantes, com os quais o sujeito
pode dizer como sente seu mundo”. Consideremos que são as questões do nível
simbólico que organizam a vida afetiva, cognitiva e social.
Em se tratando de “fracasso escolar” - outro
termo, bastante utilizado no meio escolar - percebemos neste, uma rotulação do
sujeito e uma carga semântica a qual traz uma situação de ordem simbólica que
pode ultrapassar a dimensão apenas escolar, sendo este significante - fracasso
- transposto, muitas vezes, para outros espaços da vida do sujeito. A saber, fracasso (FERREIRA, 1977, p. 228)
refere-se ao substantivo masculino sinônimo de “mau êxito, malogro, ruína”
sendo ele um termo carregado de preconceitos. Vou tratar do avesso dessa
assertiva trazida pelo autor conforme vem sendo posto.
Estas observações semânticas
tornam-se base e fundamento do que desejo dizer, de modo que com tais
expressões complexas o estudo das mesmas me leva a utilizar a terminologia “inibição no ato de aprender”, com
vistas à possibilidade de ampliação dos estudos de tal fenômeno, pois
compreendo o construto inibição como aquele que dá possibilidade de
entendimento com relação a uma função, não tendo necessariamente uma implicação
patológica, o que também o faz transitório. A inibição é a demanda que ocorre,
unicamente, na dimensão do eu e se expressa como uma limitação funcional, neste
caso trato da inibição do saber.
Sobre o termo
‘inibição’ Laplanche &Pontalis (2008, p. 240) nos trazem que inibido(a)
“qualifica uma pulsão que sob o efeito de obstáculos externos ou internos, não
atinge seu modo direto de satisfação podendo ser aproximações mais ou menos
longínquas da meta primitiva”. Ou seja, tratar de inibição é trazer a
possibilidade de um passe que qualificaria o deslocamento sintomático
considerando que a Psicanálise não trabalha com a concepção de cura. Conforme
descreve Cohen (2009):
[...]verificamos
que a psicanálise se vê convocada a dizer algo sobre os sintomas que aparecem
nas escolas e que atingem crianças e adolescentes na contemporaneidade. Esse
esforço diz respeito a uma proposta de atuar no social, no mundo, desafiando os
psicanalistas para além das fronteiras de seus consultórios (COHEN, 2009, p.
13)
E nesta pesquisa isso mostrou-se
importante de ser abordado, visto que a demanda da escola à psicanálise, na
figura do psicanalista ou psicólogo, é uma demanda de solução na qual diante
dos marcos fundantes postulados desde Freud(1856-1939) e retomados por
Lacan(1901-1981) na sua obra denota que a psicanálise é contrária a qualquer
tentativa de aprisionamento em modelos predeterminados. O sujeito é o cerne do
trabalho e seu desejo é respeitado, pois até o seu ‘não saber’ diz algo de si e
a ideia trazida pela educação quanto à padronização e homogeneização faz com
que tenhamos não mais o olhar sobre a beleza da arte de fuxicos, pelas suas
diferentes estampagens, mas direciona um olhar apenas para aquela peça de
tecido principal e nobre muitas vezes despida de qualquer criatividade,
fabricada em série para atender o mercado de consumo.Deste modo, reintero que o
problema de pesquisa visou responder a questão em torno de que maneira o
professor lida com os afetos prazerosos/desprazerosos que envolvem a relação
com o aluno no processo de inibição no ato de aprender.
A visão mais
conservadora acerca da instituição escolar considera que, a mesma, tem como
função preparar a criança para ingressar na sociedade, promovendo as
aprendizagens reconhecidas como fundantes para o grupo social ao qual esse
sujeito pertence. Nascimento (2006, p.51 e 52) sobre isso comenta que [...]
“nas trilhas abertas pelas mudanças implementadas pela modernidade, foram
concebidos muitos processos e meios de transmissão social do conhecimento”. No
entanto, a escola foi o mais importante deles.
De uma maneira geral,
corroborando tais teorias contemporâneas, o papel de representação do contexto
social admitido pela escola é demonstrado ao eleger o universo cultural da
classe dominante como modelo de instrução. Assim, o mesmo autor fala sobre a
escola assumir como função principal preparar os sujeitos “para inserção na
sociedade, entendida como mercado de trabalho” (Ibid, p.52) de maneira que por vezes a educação na
contemporaneidade mais se aproxime da ideia de modelagem dos educandos.
4
A PSICANÁLISE ATRAVESSA A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORÂNEIDADE
A pedagogia articulada
com a psicanálise tem sido uma via de entrada do desejo no campo da educação
para tratar o sintoma, que se manifesta no sujeito através da inibição no ato
de aprender. Neste sentido, cabe referir sobre o que se pode acessar no que tange
o atual estado da arte da construção teórica sobre as possíveis articulações
entre psicanálise e educação. A opção desta perspectiva de educação atravessada
pela psicanálise permite que o olhar lançado à inibição no ato de aprender,
seja o olhar sobre o aluno-sujeito, pois de acordo com os estudos de Fernández
(1991):
A maioria dos
problemas de aprendizagem tem a ver com a instalação do registro simbólico.
Diríamos, seguindo a terminologia de Lacan, que tem sua base em uma dificuldade
da passagem do segundo ao terceiro tempo de Édipo, neste momento em que o pai
deve transformar-se de “pai-terrível” que é Lei, Norma e Saber, em
representante da lei, da norma e do saber. (FERNÁNDEZ, 1991, p. 27)
Ou seja, o não
aprender, por vezes, pode ser uma resposta de aprendizagem, em virtude de estar
à criança em certa posição de sua dinâmica de subjetivação, a qual só lhe
permite dar conta da demanda de aprendizagem, da forma sintomática ou ser ainda
o sintoma de uma demanda imperiosa de aprendizagem, na qual a criança apresenta
a pulsão de saber interditada para se opor a exigência do Outro[4]
como o “nada saber”. Na metáfora do
fuxico a criança então passa a ocupar outro lugar considerando tal a
plasticidade das “formas irregulares” constituídas a partir de retalhos.
O fato de, o professor,
oportunizar-se a outros estilos, fará com que o (des)compasso possa ser
redimensionado e a proposta de uma (re)significação sobre a inibição no ato de
aprender possa ser efetivada. Transformar fuxicos isolados em uma peça única requer
criatividade e desejo de que a teia, de retalhos redondos, faça outro sentido.
Freud (1913), nos seus
escritos sobre a neurose nos dá a contribuição referindo:
[...] A
Psicanálise tem frequentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela
severidade inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses,
ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer, que tem de ser pago
pela normalidade na qual o educador insiste [...] Tudo que podemos esperar a
título de profilaxia das neuroses no indivíduo se encontra nas mãos de uma
educação psicanaliticamente esclarecida[5].
(FREUD, 1913, p. 191)
Torna-se assim,
premente que o professor que faça parte da equipe institucional da escola, aqui
proposta, reveja seu posicionamento frente inibição no ato de aprender,
verificando se o aluno não está na escola apenas ocupando o lugar de fuxico, de
um retalho inoportuno que atrapalha a ordem da escola. Ou ainda, ocupando
apenas o lugar de aluno-objeto, aquele que repete o que lhe é ensinado, incapaz
de produzir uma resposta própria de aprendizagem que é necessária e de
fundamental importância para que este sujeito de posse dos seus atos e daqueles
manejados pelo professor mostre ser um sujeito que cria e recria com
conhecimento já que a inibição no ato de aprender seria um falso conhecimento
que está impedindo o saber.
Esta modalidade de ato
que discorre sobre a possibilidade de interface entre a psicanálise e a
educação traz como principal contribuição o fato de oferecer possibilidades de
descoberta de novos elementos de explicação para a inibição no ato de aprender
que ultrapassam a dimensão sociológica ou sócio-política do fenômeno, posto que
para entender como uma criança aprende ou não aprende, é necessário não apenas
conhecer como opera sua estrutura lógica (a inteligência), mas também o seu
simbólico. Afinal, as diferentes formas de inibição no ato de aprender, no
registro individual, são respostas possíveis do aprendente às demandas da aprendizagem. Ou seja, o sintoma escolar
pode ser uma das formas que o aluno apresenta como tentativa de sustentar-se na
posição de sujeito quando se sente ameaçado pelas pressões do meio ambiente,
conforme nos coloca Soares (2004).
Torna-se, desta
maneira, necessário ampliar o olhar sobre o não-aprender entendendo que, por
vezes, ele pode ser uma resposta de aprendizagem, em virtude de estar à criança
em certa posição de sua dinâmica de subjetivação, a qual só lhe permite dar
conta da demanda de aprendizagem, da forma sintomática. E a escuta pode ser um
instrumento importante neste passe. Ornellas (2009) fala disso marcando ser
preciso escutar o ambiente transferencial de sala de aula, lugar no qual
acontece o ato educativo. É nesse ambiente que ocorre a escuta da relação
professor-aluno, vista como um campo de condutas humanas. (ORNELLAS, 2009,
p.55)
Nesta perspectiva, o ato de escutar concebe a
subjetividade como constituída através dos vínculos estabelecidos com o outro,
enfatizando os componentes internos, subjetivos e intrapsíquicos do aprendente que, neste caso, é o sujeito
da aprendizagem que se encontra em “processo de construção do conhecimento”.
O termo ‘inibição’ foi
inaugurado por Freud em 1926 [1925], no texto intitulado Inibição, Sintoma e
Ansiedade. Nele, o fundador da Psicanálise abandona a teoria inicial da ligação
direta da angústia sendo originada da libido e a ressignifica como sendo uma
reação a uma situação traumática. Neste texto, Freud salienta a importância da
distinção entre sintomas e inibições considerando a segunda uma restrição de uma
função do ego não necessariamente, patológica. O termo inibição pode ser
considerado neste sentido uma intrusão no campo do simbólico e fazendo uma
articulação do triádico[6]
Inibição, Sintoma e Ansiedade (angústia) com a tópica Lacaniana do Real, Simbólico
e Imaginário percebemos que as questões da aprendizagem podem ser consideradas
como um sintoma no imaginário, apresentando também duas outras vertentes:
simbólica e real, o que de acordo com Mrech (2003, p. 59) revela que “há algo
além da relação professor-aluno de ordem especular”. Assim, a mesma autora traz
o fato que há algo além dos fenômenos da aprendizagem pertencentes ao registro
do imaginário e simbólico e que há também questões da inibição da aprendizagem
concebidas a partir do registro do real.
Abaixo, trago as
configurações estudadas que permitiram a articulação da tópica lacaniana com o triádico freudiano.
Inibição
Sintoma
Ansiedade
Figura 2
O estudo das
articulações topológicas auxilia no fato de estarmos na contemporaneidade
enquanto cientistas sociais e educadores convocados a reinventar soluções para
os pontos de impasse vivenciados, sobre o qual o psicanalista Melman (2003)
assim expressa:
Estamos no ponto
de passagem de uma cultura cuja religião obrigava aos seguidores o recalque dos
desejos e a neurose para uma outra em que se propaga o direito de sua livre
expressão e de uma plena satisfação. (MELMAN, 2003, p. 191)
A família e a escola
deste modo são instituições sociais que estão submetidas, hoje, aos efeitos de
uma mutação cultural que implica na desconsideração crescente dos valores que,
até então, vinham sendo transmitidos pela tradição moral e política, o pensar
sobre este fenômeno expressa o apreço pelo fato de ser através de múltiplas
interações culturais e da constituição de um sistema de relações no espaço da
família, que a criança se constitui, enquanto pessoa, inserida na complexidade
da vida social. Desta forma, a função da família parece ser condição de
sustentação para o crescimento do sujeito enquanto tal, para que este tenha
apoio afetivo suficiente para crescer tolerante a frustrações, constituindo-se,
assim, em um sujeito desejante, integrado e autônomo, capaz de aprender.
Semelhante ao
artesão, o pesquisador precisa organizar-se para apreender a arte fuxico. Nesta pesquisa optei pela
abordagem qualitativa devido ao fato da natureza do fenômeno que proponho
estudar não ser adequada às medidas quantitativas. A escolha dos instrumentos
de coleta de dados vislumbra a intenção da escolha de métodos que propiciem a
apreensão dos dados acerca do objeto estudado. Assim, neste estudo optou-se por
utilizar a observação, a entrevista
narrativa e a narrativa imagética considerando que estes três
interconectados propiciariam a colheita de dados de maneira sistematizada e,
dariam forma aos passos fuxicos na construção da peça. O material coletado
neste estudo através das observações, entrevistas e narrativas imagéticas
passou pelo processo de escuta, degravação e, sua análise foi realizada com o
uso da Análise do Discurso (AD) de vertente francesa. Os sujeitos da pesquisa
foram selecionados com base no critério de serem professores do segmento de
Fundamental I e também do critério de desejo de participação. Os sujeitos desta
pesquisa, a partir da análise dos formulários, podem assim ser descritos de
maneira sistematizada:
Código do Participante
|
Idade
|
Estado Civil
|
Etnia
|
Renda
(em Salário Mínimo)
|
Nível de escolaridade
|
CH
|
Imagem Escolhida
|
Professora 01
|
41 anos
|
Casada
|
Parda*
|
Entre 02-05 SM
|
Especialista
|
40
|
01
|
Professora 02
|
43 anos
|
Casada
|
Parda
|
Acima de 10 SM
|
Doutoranda
|
40
|
01
|
Professora 03
|
40 anos
|
Casada
|
Parda
|
Entre 05-10 SM
|
Especialista
|
40
|
03
|
Professora 04
|
39 anos
|
Casada
|
Parda
|
Entre 02-05 SM
|
Especialista
|
40
|
02
|
Professora 05
|
47 anos
|
Separada
|
Preta
|
Entre 02-05 SM
|
Especialista
|
40
|
02
|
Professora 06
|
49 anos
|
Casada
|
Parda
|
Entre 02-05 SM
|
Especialista
|
40
|
02
|
Tabela 1 - Categorização das falas sujeitos da pesquisa
* Utilizei a categoria “parda” referindo o que foi dito pelos sujeitos da pesquisa.
A organização das observações, narrativas e entrevistas foram
sistematizadas na tabela abaixo de modo a revelar aproximações e
distanciamentos.
CATEGORIA
|
APREENSÃO DO DADO
|
DESCRIÇÃO
|
TRIANGULAÇÃO
|
A
|
OBSERVAÇÃO
|
Dentro-Fora da sala de aula
|
O entrar e sair da sala de aula
|
B
|
Aluno inibido no aprender
|
A inibição propriamente dita
|
|
C
|
Aprender no campo do impossível
|
A inibição propriamente dita
|
|
D
|
Participação da família no aprender
|
A escola e sua interface com a família
|
|
E
|
Bicho papão do aluno
|
A inibição propriamente dita
|
|
F
|
NARRATIVA
|
Leitura das letras da escola
|
A inibição propriamente dita
|
G
|
Fuxico de aluno
|
O aluno no lugar de fuxico
|
|
H
|
Sim e Não na presença da família
|
A escola e sua interface com a família
|
|
I
|
ENTREVISTA
|
Aluno Inibido: sinônimo de retraído
|
A inibição propriamente dita
|
J
|
Inibição e dificuldade instrumental
|
A inibição propriamente dita
|
Tabela 2 – Triangulação dos achados coletados nas
observações, narrativas e entrevistas.
A emergência das falas a partir do uso dos instrumentos permitiu
articular as categorias descritivas iniciais, que foram extraídas de cada um
deles, e passaram a se conectar numa cosmo-visão a qual tenta-se explorar em
detalhe. Embora os pontos de vista apresentados reflitam os resíduos ou as
memórias da conversação, a construção do enlace por parte do pesquisador é que
permitirá a tessitura do que foi apreendido. Aqui me permito à
interdisciplinaridade teórica e remeto a topologia lacaniana do Nó Borromeu que outrora foi referido.
Se considerarmos que na estrutura borromeica
a consistência afetada pelo imaginário de um buraco fundamental resulta do
simbólico e de uma existência que pertence ao real (Dor, 1989) o enlace deles
pode ser comparado ao enlace dos dados no qual o simbólico seria a fala dos
sujeitos, o imaginário seria a análise do discurso feita pelo pesquisador e o
real seria o que escapa de ser apreendido por estar na incompletude estrutural,
na falta.
5 A PEÇA DE FUXICO
A partir da perspectiva
teórica psicanalítica distinguiu-se introdutoriamente sobre as terminologias
dificuldade, fracasso e inibição dando-se enfoque a esta última conforme fora
trazida por Freud no texto Inibição, Sintoma e Ansiedade (1926 [1925]).
Percebendo-se, desta maneira, a inibição na relação com o trabalho intelectual
e ainda aquiesça a forma sublimada de se obter satisfação mediante um desvio
pulsional utilizou-se também o olhar sob prisma da contribuição lacaniana que
versa no que tange esta percepção terminológica acerca da consideração da mesma
pela via da constituição do sujeito do desejo e da categoria inibição passando
a um efeito da estrutura do ser falante inerente à própria organização dos
objetos pulsionais.
Diante disso ainda
foram trazidas as problematizações que visam ampliar o olhar e a articulação
com teorias que sustentam uma nova perspectiva do aluno num tom contemporâneo e
foi apresentada para isso a possibilidade do atravessamento da psicanálise à
educação como um novo estilo. A constituição do sujeito na aprendizagem e a
inibição no ato de aprender foram metaforicamente expostas fazendo alusão ao
alinhavo do fuxico que parece ter sido feito borromeico no que tange o papel da família nesta estruturação e a
interface também do professor frente tal estrutura.
Penso ainda que
destarte tratar da inibição propriamente dita, que os achados quanto o aluno
ocupar o lugar de fuxico e quanto à importância da interface escola-família
marcam os sentidos por mim apreendidos nesta pesquisa.
REFERÊNCIAS
COHEN, Ruth Helena Pinto. Projeto Aleph: testemunho de uma prática. In: COHEN, Ruth Helena
Pinto. Psicanalistas e Educadores: tecendo laços. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2009.
DOR, Joel.Introdução
à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
FERNÁNDEZ, Alícia. A
inteligência aprisionada. Porto
Alegre: Artmed, 1991.
FERREIRA, Aurélio. B. H. Minidicionário Aurélio.Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 1977.
FREUD, Sigmund. O
interesse Educacional da Psicanálise (1913).In: Obras Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. Inibição, Sintoma e Ansiedade (1926 [1925]). In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1996.
LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
MELMAN,
Charles. O homem sem gravidade: gozar a
qualquer preço.Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.
MRECH, Leny Magalhães. Psicanálise e Educação - Novos Operadores de Leitura. São Paulo:
Pioneira, 2003.
NASCIMENTO, Antonio Dias. Contemporaneidade: educação, etnocentrismo e diversidade.In: LIMA
JR., A.S E HERTKOWSKI, T.M. (org.) Educação e contemporaneidade: desafios para
a pesquisa e a pós-graduação. Rio de
Janeiro: Quartet, 2006.
ORNELLAS, Maria de Lourdes. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2009.
ROUDINESCO,
Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2003.
ROUDINESCO,
Elizabeth & PLON, Michael. Dicionário
da psicanálise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1998.
SOARES, Jacy Célia da Franca. Psicanálise e Educação: novas aproximações num tempo de mutações.
Revista da Faced, n° 08, 2004, p. 195 – 207.
[1]Psicóloga, Psicopedagoga, Mestre
em Educação e Contemporaneidade - UNEB; Pesquisadora do GEPPE-rs (Grupo de
Estudos e Pesquisa em Psicanálise, Educação e Representação Social);
ludy_fonseca@yahoo.com.br
[2] Aqui me
refiro à construção lacaniana “nó borromeu” de
1972, no qual três círculos de cordão são atados de
forma que se cortarmos qualquer um deles desfaz a junção com os outros dois
círculos. Estes círculos trazem a representação das três categorias
(Real-Simbólico-Imaginário) as quais de acordo com Lacan devem ser mantidas
juntas. Cf. Roudisnesco&Plon, 1998, p.541.
[3] Significante
– termo introduzido por Ferdinand de Saussure no quadro de sua teoria
estrutural da língua retomado por Lacan como um conceito central em seu sistema
de pensamento sendo o significante o elemento significativo do discurso
(consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito,
à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica. (Cf. ROUDINESCO, 1998, p.
708)
[4] Outro –
Termo utilizado por Lacan para designar lugar simbólico – o significante, a
lei, a linguagem, o inconsciente – que determina o sujeito, ora de maneira externa
a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo. (Cf.
ROUDINESCO, 1998, p.558)
[5] Tema que
estamos discutindo nos grupos de estudos e nos colóquios da linha de
Psicanálise e Educação do Grupo de
EstudosemPsicanálise, Educação e Representação Social (Gepe-rs)
[6] Termo usado por Lacan no
Seminário de 17 de dezembro de 1974 para referir-se ao texto de Freud Inibição,
Sintoma e Angústia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário