PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO:
(im)passes subjetivos contemporâneos
Quarteto Editora
Oiê!!!!
Bem, quando falamos da interface Psicanálise e Educação percebemos uma grande quantidade de publicações ... Na escrita da dissertação busquei fazer uma garimpagem sobre o tema e adquiri muitas obras ... Assim, a cada tempo apresentarei uma delas!!!
Hoje destaco não uma obra qualquer mas, um livro do qual fiz parte através da escritura de um artigo à quatro mãos com Leide Antonino intitulado:
O ato da escuta: um estilo da psicanálise para educação
No texto, indicamos a escuta como uma das condições humanas que permite que
duas pessoas entrem em contato, uma com a ideia da outra, devendo, assim,
dar-se de maneira atenta para que o conteúdo possa ser internalizado e não
apenas ouvido.
"O objetivo dela é o de equilibrar a crise de autoridade em que se debate
a sociedade atual. Ou seja, consideramos que estamos propondo aqui um novo
estilo[1] da
psicanálise para a educação. Uma maneira especial de fazer essa aproximação,
uma possibilidade de encontro entre os dois campos, de modo a estabelecer uma
singularidade de ação.
Atualmente, as queixas que aparecem, advindas do
meio pedagógico, circulam em torno de temáticas como a falta de limites das
crianças, a falta de referências para os adolescentes, ausência de projetos da
juventude e, com isso, a insegurança por parte de alguns educadores quanto aos
princípios norteadores para compreender tais fenômenos. O ambiente escolar
encontra-se, assim, em um mal-estar,[2] e
a escuta, sobre o que estamos aqui versando, poderá ser um caminho de fazer uma
leitura subjetiva[3].
Nesta perspectiva, o ato de escutar conceberá a
subjetividade de cada um na relação com o outro e ainda com Outros, enfatizando
os componentes internos, subjetivos e intrapsíquicos que, no caso específico da
interface com a pedagogia, podemos considerar. Lembremos que os sujeitos aos
quais estamos nos referindo são sujeitos em “processo de construção do
conhecimento”, portanto seres cognoscentes [4].
A escuta vem, neste contexto, mostrar-se instrumento
de junção das duas faces que encaminham e direcionam a construção subjetiva do
sujeito: a educação e a psicanálise; parceiras e enamoradas é possível a
aproximação destas duas, embora seu casamento não aconteça[5]. É
nesta intercorrência e recorrência de afetos que as faltas se presentificam e
assombram, passeando pelo prazer e pelo desprazer, algumas vezes fundindo-se,
como percebeu Lacan (1985), numa ambivalência de sentimentos que possibilita o
amódio.
A escuta como
contribuição da psicanálise na educação...
... não obstante, deverá se dar nas entrelinhas
trazidas pelo discurso, não sendo esta apenas reduzida às palavras ditas, mas
também a atitudes e gestos que poderão advir na intervenção. Claro que não se
trata aqui da “escuta analítica” - prerrogativa do psicanalista – mas já não
passa despercebido este valor. Assim, a contribuição torna-se possível, a
partir do momento em que a escuta surge como estatuto metodológico, reconhecido
através da obra freudiana.
No caso da interface aqui proposta da psicanálise
com a educação, poderá esta ser utilizada, por exemplo, verificando-se que
situações afetivas conflituosas possam estar sendo o verdadeiro cerne do
problema real que se instala no plano do aprendizado. Neste sentido, deverão
ser procedidas as intervenções pertinentes e os encaminhamentos necessários.
Vale ressaltar, nestes termos, que quando os problemas concernentes à ordem da
aprendizagem chegam à clinica para serem tratados por profissionais clínicos é
porque estes, os problemas em si, já estão cristalizados como sintoma e outras
possibilidades já se esgotaram. Sobre isso Kupfer ressalta:
[...] o limite da intervenção, na
escuta pedagógica, se dá no domínio estrito da pedagogia, cabendo o
encaminhamento terapêutico, de caráter clínico, fora da escola, quando as
medidas pedagógicas se mostrarem insuficientes pra determinar mudanças, e para
que outros sintomas agregados à resposta sintomática de fracasso possam ser
tratadas. (Kupfer apud SOARES, J. (2004),
p. 202)
Assim sendo, cabe ao profissional comprometido com o
sujeito, sob o prisma do viés psicanalítico, acolher o sofrimento humano onde
quer que se apresente, neste caso, na pedagogia, sob a forma de inibições de
aprendizagem e outros, e viver com este uma relação concebida como reveladora e
formadora de sentido, a qual expressa e desvela o modo de ser no mundo. Para
isso, é necessário estar existencialmente disponível e, de certa forma,
instrumentalizado para estabelecer esse tipo de relação com o outro através da
extensão da escuta a outros meios, “[...]isso amplia o campo de ação do
psicanalista, que passa a incluir a instituição escolar como lugar de escuta”[6].
Deveremos sempre, como profissionais que atuam na
interface psicanálise e educação, conceber a subjetividade como constituída,
através dos laços com o outro, ainda constatando a prevalência do olhar que
enfatiza os processos internos, subjetivos e intrapsíquicos. Tal fato nos
permite salientar que o olhar psicanalítico e a escuta trazida por esta
perspectiva tem por objetivo não a classificação do sujeito em disléxico,
distraído, discalcúlico, hipercinético e tantos outros rótulos que encontramos
por aí, mas, sim, verificar como o sujeito está aprendendo e o que está dificultando
o desenvolvimento de suas potencialidades. Temos que deixar de ‘medicalizar’ ou
‘psicologizar’ o aprender. Só assim poderemos intervir de maneira adequada, não
visando a aspectos negativos da não-aprendizagem.
Ainda percebemos como é importante que a escuta na
educação não surja apenas como forma de responder à angústia parental por
querer dar um nome às manifestações sintomáticas dos filhos para se eximirem de
qualquer sentimento de culpa pela falta de tempo, por exemplo, por conta da
árdua jornada de trabalho. Em primeiro lugar, por conta do fato de que pais
angustiados em nada ajudam seus filhos na superação de dificuldades ou na
identificação do porquê de tais dificuldades; em segundo, porque um
profissional, com a inspiração analítica, não poderá fazer parte da trupe de
profissionais e de saberes que se prestam a efetuar uma intervenção que se
assemelha a uma assistência técnica, tendo deste modo um cuidado redobrado na
sua atuação, respeitando a multidimensionalidade humana das formas de elaborar
as interações com o mundo, com os outros e com o saber. Afinal, o aluno não
aprende somente com a dimensão cognitiva que o constitui, mas também com a
dimensão do desejo. O sujeito reage de acordo com o modo como ele está
estruturado psiquicamente.
Por fim, à guisa de uma conclusão, consideramos o
ato de escutar um estilo da psicanálise para educação de maneira que há, sim,
uma possibilidade de aproximação entre ambas. O ato de escutar se faz, enquanto
discurso e ética e, certamente, se opõe a qualquer solução de adaptação do
sujeito à cultura, pois modelos e padrões são a própria rejeição de estilo. Neste sentido, afastando-se os
rótulos, acreditamos que o ato de escutar fará do sujeito um ser que suporte a
realização do seu desejo, confrontando-se com a falta que o fará lembrar-se da
sua condição humana".
REFERÊNCIAS
FERREIRA, A. B. H. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977.
FREUD. S. Além do princípio do prazer. In: Obras completas de Sigmund Freud.
Rio de janeiro: Imago, 1996.
FREUD. S. Esboço de psicanálise. In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de
janeiro: Imago, 1996.
FREUD. S. O futuro de uma ilusão. In: Obras
completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago, 1996.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São
Paulo: Edições Loyola, 2002.
KUPFER, M. C. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Editora
Scipione, 2004.
______. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Escuta,
2007.
LACAN. J. Seminário 11 – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
______. Seminário 20 - Mais Ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1985.
LAPLANCHE E PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
NICK, E. e CABRAL, A. Dicionário de psicologia. São Paulo:
Cultrix, 1997.
ORNELLAS, M.L.S. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2009.
______. Estilo: marca que obtura a falta do outro. Texto apresentado no II
Colóquio Estadual de Educação, UNEB. CD ROM.
SILVA, M.C.A e. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1998.
SOARES, J. Psicanálise e Educação:
novas aproximações num tempo de mutações. Revista da Faced, n° 08, 2004, p. 195
– 207.
[2] ORNELLAS, M.L.S. (2009). Afetos manifestos na
sala de aula, p. 57
[3] Idem. Ibid.
[4]
Ser cognoscente – termo utilizado por
SILVA, M.C.A e. (1998). In: Psicopedagogia: em busca de uma
fundamentação teórica. p. 29.
[5]
Idem. Ibid.
[6] KUPFER, M. C. Educação para o futuro: psicanálise e educação, p.34
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