Oiê ...
Hoje estava pensando sobre essa tal "Liberdade" ... me deparei com esta resenha da Folha do Calligaris ... penso que pra hoje ela diz algo para pensarmos ...
Milla
Liberdade para o quê?
Liberdade não consiste em escolher nas prateleiras do
supermercado
CONTARDO CALLIGARIS
QUANDO JANTO fora, prefiro os restaurantes onde sou um
cliente conhecido, porque, em princípio, eles aceitam com um sorriso meu
comportamento, que é um pouco atípico: não gosto de ler o cardápio, peço o
prato do qual estou a fim naquela noite, que ele esteja ou não no menu. Caso a
cozinha não disponha dos ingredientes necessários, o maître e eu imaginamos um
compromisso próximo de meus desejos.
Nota: às vezes os que lêem o cardápio do começo ao fim, à força de hesitar
entre massas, risoto, carne ou peixe, acabam se entupindo de pão e couvert -e
assim perdem o apetite.
Pensei nisso ao reler "O Paradoxo da Escolha, Por que Mais é Menos",
de Barry Schwartz, recentemente traduzido em português (ed. Girafa). Schwartz
constata, com razão, que a multiplicação das possibilidades de escolha (que é
própria da sociedade de consumo) constitui, de fato, um fardo.
Exemplo: queremos comprar uma calça jeans e descobrimos que existem infinitos
cortes, desbotamentos, preços etc. Ótimo, somos LIVRES PARA escolher entre
centenas de jeans. Mas, de repente, eis que NÃO somos LIVRES DE uma tarefa, no
fundo, fútil: a de encontrar a calça que nos veste melhor na perfeita relação
custo/benefício.
Na hora de escolher um carro, uma faculdade, uma profissão, um país ou uma
cidade em que morar, as escolhas possíveis são, hoje, incontáveis. Portanto
seríamos mais livres, não é? Pode ser. Em compensação, temos a trabalhosa (e, às
vezes, desanimadora) incumbência de escolher.
Schwartz opõe dois tipos subjetivos: os "maximizadores" e "os
que se contentam com algo suficientemente bom". Os maximizadores querem
absolutamente fazer a escolha certa; os outros sabem se satisfazer sem ter que
alcançar a certeza de que fizeram o melhor negócio.
Ora, constata Schwartz com razão, o maximizador não é nunca feliz: ele é
corroído pelo remorso e pela dúvida (será que examinou efetivamente todas as
possibilidades?).
Schwartz chega a imaginar que a epidemia de depressão das últimas décadas tenha
uma relação com a multiplicação das escolhas possíveis e, portanto, com a
insatisfação crônica de nosso lado maximizador. Obviamente, os que sabem se
satisfazer vivem melhor. Conclusão de Schwartz:
o excesso de liberdade nem
sempre é bom. (Grifo do Fuxicando com Milla)
Tudo bem. Mas vamos aplicar a visão de Schwartz ao campo amoroso. É claro que,
se a tradição nos obrigasse a nos casar com a moça escolhida pelos anciões de
nossa aldeia, a vida amorosa seria mais fácil. A liberdade para se juntar com
quem quisermos é, de fato, uma complicação: para ter a certeza de que Fulano é
meu homem fatal, com quantos Sicranos deverei compará-lo?
Por outro lado, se adotarmos a sabedoria dos que sabem se contentar com o que
lhes agrada, nossos parceiros e parceiras não vão gostar.
Em geral, preferimos ser amados por quem acha que somos a melhor escolha
possível, em absoluto.
O livro de Schwartz é ótimo e divertido sem contar que pode ajudar todas as
pessoas que se inibem diante da multiplicidade dos possíveis. Mas Schwartz
parte de um pressuposto, que está implícito desde seu primeiro exemplo (o dos
jeans): ele considera a pluralidade das escolhas possíveis como o índice da
liberdade. Quando constata que essa liberdade é fonte de tormentos, ele conclui
que talvez seja melhor sermos menos livres e mais felizes.
Ora, a visão que Schwartz tem da liberdade é parasitada pelo próprio modelo do
consumo, cujos impasses ele castiga.
Ser livre não significa poder escolher entre os objetos disponíveis nas
prateleiras do supermercado; ser livre significa saber criar o que queremos e
encontrá-lo, mesmo e sobretudo quando não está em lista alguma de liquidações e
promoções. Certo, o mal-estar do maximizador é uma patologia da liberdade de
escolha. Mas a liberdade de escolher entre as ofertas que estão nos cardápios
é, por sua vez, uma deformação da verdadeira liberdade -a de inventar.
(Grifo do Fuxicando com Milla)
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