domingo, 8 de setembro de 2013



O homem torna-se tudo ou nada, conforme a educação que recebe - Orquidário Cuiabá - 7/12/2008



 

E seu eu fosse gari?  

 ‘Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser  invisível’

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Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese  de mestrado  da ‘invisibilidade  pública’. Ele comprovou que, em geral, as pessoas  enxergam apenas a função  social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse  critério, vira mera  sombra social.

  
 O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu  uniforme e trabalhou oito  anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São  Paulo. Ali, constatou  que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são  ’seres invisíveis’,  ’sem nome’. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu  comprovar a  existência da ‘invisibilidade pública’, ou seja,  uma percepção humana  totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do  trabalho, onde  enxerga-se somente a função e não a pessoa.

 Braga trabalhava apenas meio período como gari, não  recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a  maior lição de sua  vida:

 ‘Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi  como gari, pode significar  um sopro de vida, um sinal da própria existência’,  explica o pesquisador.

 O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um  objeto e não como um  ser humano. ‘Professores que me abraçavam nos  corredores da USP, passavam  por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às  vezes, esbarravam no  meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me  ignorando, como se  tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão’, diz.

 No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles  colocaram uma garrafa  térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não  tinha caneca. Havia um  clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra   classe, varrendo rua  com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se  aproximavam para  ensinar o serviço.. Um deles foi até o latão de lixo  pegou duas latinhas de  refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o  café ali, na latinha  suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande,  esperei que eles se  servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café.
 Mas, intuitivamente,  senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de  sensações ruins. Afinal, o  cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma  lixeira, que tem  sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento  em que empunhei a  caneca improvisada, parece que todo mundo parou para  assistir à cena, como  se perguntasse:

 ’E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa  caneca?’
E eu bebi.   Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles  passaram a conversar  comigo, a contar piada, brincar.

 O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?

 Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão  central. Aí eu  entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro,  passei pelo andar  térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na  biblioteca, desci   a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em  frente a  lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse  trajeto e ninguém  em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O  meu corpo tremia como  se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça  era como se  ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não  senti o gosto da  comida e voltei para o trabalho atordoado.

 E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou?

 Fui me habituando a isso, assim como eles vão se  habituando também a  situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um  professor se aproximando  - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia  passar por mim, podia  trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse  passando por um  poste, uma árvore, um orelhão.

 E quando você volta para casa, para seu mundo real?

 
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em  que você está  inserido nessa condição psicossocial, não se esquece  jamais. Acredito que  essa experiência me deixou curado da minha doença  burguesa. Esses homens  hoje são meus amigos. Conheço a família deles,  freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador.

 Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele  existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é  chamado pelo nome.  São tratados como se fossem uma ‘COISA’.

Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem  na vida!
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Respeito a qualquer ser humano, independente de sua condição social é uma relação para a qual devemos estar atentos e colocar em prática.


Por Plínio Delphino, Diário de São Paulo.

Orquidário Cuiabá,7/12/2008

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