quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Inibição da aprendizagem e fuxico


CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE DO FUXICO NUMA ARTICULAÇÃO COM A INIBIÇÃO DA APRENDIZAGEM.

Ludmilla Lopes da Fonsêca[1]

Resumo

O presente trabalho busca uma articulação metafórica da relação entre inibição da aprendizagem e fuxico arte. O mesmo é um recorte da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC sediado na Universidade do Estado da Bahia –UNEB, em 25 de Setembro de 2012.

 1 LETRAS INTRODUTÓRIAS

Uma avaliação dos debates atuais no campo da educação é suficiente para perceber um contíguo de proposições em torno da temática dificuldade de aprendizagem. Na tentativa de explicação destas sucedem-se novas concepções teórico-epistemológicas principalmente nas áreas de educação, psicologia e psicanálise.

Diferentemente do utilizado no senso comum neste trabalho o foco terminológico se dá na “inibição no ato de aprender” visando à possibilidade de ampliação dos estudos de tal fenômeno, pois o compreendo como aquele que dá possibilidade de entendimento com relação a uma função, não tendo necessariamente, uma implicação patológica o que também o faz transitório. A inibição é a demanda que ocorre, unicamente, na dimensão do eu e se expressa como uma limitação funcional neste caso trato da inibição do saber.

A pedagogia articulada com a psicanálise tem sido uma via de entrada do desejo no campo da educação para tratar o sintoma, que se manifesta no sujeito através da inibição no ato de aprender e deste modo sabe-se que, para haver aprendizado, é preciso haver desejo e este apenas se coloca quando, no processo de estruturação psíquica da criança, ocorre a intervenção da Lei paterna. Estas dimensões se articulam através da dialética que se estabelece entre princípio do prazer e da realidade, configurando-se assim a dialética da autonomia e da heteronomia.

Diante de tais fatos estabeleço metaforicamente a relação da inibição da aprendizagem com o fuxico arte. Ou seja, o fuxico o qual trabalho é aquele que diz respeito à arte, a construção, ao movimento, a diferença. Penso no fuxico enquanto arte sendo o aluno “com” inibição no ato de aprender aquele retalho de pano que é subaproveitado, retirado da peça de tecido principal por não servir mais e, ao causar inquietação no que diz respeito ao que fazer dele o mesmo é entregue para que um outro possa dar um destino àquelas tiras irregulares, fora de padrão. Diante de tal exposição refiro que a metáfora do fuxico e sua conexão com a inibição no ato de aprender é a minha tentativa de contribuição com a proposta de interface entre psicanálise e educação.

2 DESVELANDO O OBJETO ESTUDADO

Conforme já mencionado as letras aqui exibidas são fruto de um recorte da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC sediado na Universidade do Estado da Bahia –UNEB.

A pesquisa aconteceu tendo como locus uma escola pública situada num bairro central da cidade de Salvador a partir da demanda enquanto psicóloga na Secretaria Municipal de Educação desta cidade sempre convocada para dar conta de inibição no ato de aprender de alunos do ensino fundamental. Semelhante ao que acontece na confecção da peça artesanal “fuxico” os capítulos da pesquisa foram divididos em passos conforme descrito à seguir:

O primeiro passo do fuxico se refere à construção do molde para que os retalhos sejam recortados no formato redondo este foi referido na pesquisa e nomeado de Introdução de modo que antecipou o panorama a ser tratado no escrito na interface com a história acadêmica pessoal da autora e do processo introdutório do aprender.

O segundo passo do fuxico é a transposição do molde para o tecido e logo após o recorte do círculo, este capítulo nomeado Educação contemporânea referiu acerca da avaliação dos debates atuais no campo da educação e trouxe a educação contemporânea de um modo mais generalizado; ainda é referindo sobre o cenário desta educação contemporânea e trazendo algumas problematizações que visaram à ampliação do olhar e a articulação com teorias que sustentam uma nova perspectiva do aluno; o atravessamento da psicanálise na educação emergindo como um novo estilo, perpassando pela importância da escuta analítica à educação contemporânea. Em seguida, foi apresentado ainda neste capítulo a descrição e discussão do panorama da educação, onde se apresentou esclarecimentos etimológicos sobre dificuldade, fracasso e inibição e ainda questões sobre o atravessamento da educação pela psicanálise, de forma a marcar a escuta como uma contribuição psicanalítica à leitura do fenômeno intitulado de inibição no ato de aprender.

O terceiro passo do fuxico é o alinhavo, discorreu-se neste capítulo denominado Constituição do sujeito da aprendizagem e inibição no ato de aprender, acerca da relação da constituição do sujeito na aprendizagem e a inibição no ato de aprender, metaforicamente também fazendo alusão ao alinhavo borromeico[2] no que tange o papel da família nesta estruturação, e como o professor se estrutura na relação com a inibição no ato de aprender.

No quarto passo do fuxico temos que puxar o alinhavo delicadamente para que o franzido se forme e efetivamente a unidade se constitua. Neste capítulo nomeado Fuxico por fuxico numa estampa singular tratou-se da metodologia, da escolha dos instrumentos, dos marcos teóricos, do locus, dos sujeitos e da análise dos dados de maneira que foi refido o escopo do que está presente como elemento fundante na investigação que forma esta peça final de fuxicos apresentada como uma dissertação de mestrado.

No quinto passo do fuxico após as unidades construídas fazemos a junção através do alinhavo final para dar forma à colcha de retalhos. Neste capítulo intitulado de Juntando os Fuxicos foram apresentadas considerações finais com um amalgamar da teoria usada e dos dados colhidos deixando em aberto alguns pontos que serão certamente alvo da continuidade dos estudos nesta metáfora tão singular.

3 FUXICO ARTE E EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

É no campo de concepções conceituais cognitivas, afetivas e sociais que encontra-se o professor contemporâneo. Este por vezes marca o aluno como possuidor de “dificuldade de aprendizagem” denunciando aparentemente, sem saber, sua incapacidade de lidar com a diferença, com a sua idiossincrasia, cristalizando uma inscrição que poderá no individual fazer signo com o significante,[3] instaurando uma situação de ordem simbólica que não temos como mensurar a forma com a qual a mesma pode atingir o sujeito nos seus processos inconscientes. Concordo desta maneira com Cohen (2009) quando a autora diz:

É impossível precisar uma única causa do fracasso escolar, generalizá-la e dizer se é falsa ou verdadeira. Desta forma, não sendo possível localizar a verdade sobre o que gera essa problemática, faz-se uma aposta, uma escolha. A etiologia do fracasso escolar é indecidível, porque sempre fará parte de uma determinada contingência educacional, ou seja, não há uma verdade calculável, que possa dizer sobre as suas manifestações para todos. (COHEN, 2009, p. 74)

A autora neste fragmento refere sobre a impossibilidade de precisar uma causa para o fracasso escolar e diante disso corroboro afirmando que não devemos pensar na inibição no ato de aprender de modo hedonista numa tentativa de buscar uma causalidade, pois tal inibição é multifatorial. Vale neste momento abrir um adendo para tentar esclarecer sobre questões referentes às nomenclaturas acerca da aprendizagem. De modo geral a utilização pela escola do termo “dificuldade de aprendizagem” traz nas entrelinhas o viés no qual nesta terminologia estão inseridas questões de ordem orgânica e de ordem simbólica, sendo as mesmas temporárias ou não. Como afirma Fernández (1991, p. 74) “a linguagem, o gesto e os afetos agem como significados ou como significantes, com os quais o sujeito pode dizer como sente seu mundo”. Consideremos que são as questões do nível simbólico que organizam a vida afetiva, cognitiva e social.

 Em se tratando de “fracasso escolar” - outro termo, bastante utilizado no meio escolar - percebemos neste, uma rotulação do sujeito e uma carga semântica a qual traz uma situação de ordem simbólica que pode ultrapassar a dimensão apenas escolar, sendo este significante - fracasso - transposto, muitas vezes, para outros espaços da vida do sujeito. A saber, fracasso (FERREIRA, 1977, p. 228) refere-se ao substantivo masculino sinônimo de “mau êxito, malogro, ruína” sendo ele um termo carregado de preconceitos. Vou tratar do avesso dessa assertiva trazida pelo autor conforme vem sendo posto.

Estas observações semânticas tornam-se base e fundamento do que desejo dizer, de modo que com tais expressões complexas o estudo das mesmas me leva a utilizar a terminologia “inibição no ato de aprender”, com vistas à possibilidade de ampliação dos estudos de tal fenômeno, pois compreendo o construto inibição como aquele que dá possibilidade de entendimento com relação a uma função, não tendo necessariamente uma implicação patológica, o que também o faz transitório. A inibição é a demanda que ocorre, unicamente, na dimensão do eu e se expressa como uma limitação funcional, neste caso trato da inibição do saber.

Sobre o termo ‘inibição’ Laplanche & Pontalis (2008, p. 240) nos trazem que inibido(a) “qualifica uma pulsão que sob o efeito de obstáculos externos ou internos, não atinge seu modo direto de satisfação podendo ser aproximações mais ou menos longínquas da meta primitiva”. Ou seja, tratar de inibição é trazer a possibilidade de um passe que qualificaria o deslocamento sintomático considerando que a Psicanálise não trabalha com a concepção de cura. Conforme descreve Cohen (2009):

[...]verificamos que a psicanálise se vê convocada a dizer algo sobre os sintomas que aparecem nas escolas e que atingem crianças e adolescentes na contemporaneidade. Esse esforço diz respeito a uma proposta de atuar no social, no mundo, desafiando os psicanalistas para além das fronteiras de seus consultórios (COHEN, 2009, p. 13)


E nesta pesquisa isso mostrou-se importante de ser abordado, visto que a demanda da escola à psicanálise, na figura do psicanalista ou psicólogo, é uma demanda de solução na qual diante dos marcos fundantes postulados desde Freud (1856-1939) e retomados por Lacan (1901-1981) na sua obra denota que a psicanálise é contrária a qualquer tentativa de aprisionamento em modelos predeterminados. O sujeito é o cerne do trabalho e seu desejo é respeitado, pois até o seu ‘não saber’ diz algo de si e a ideia trazida pela educação quanto à padronização e homogeneização faz com que tenhamos não mais o olhar sobre a beleza da arte de fuxicos, pelas suas diferentes estampagens, mas direciona um olhar apenas para aquela peça de tecido principal e nobre muitas vezes despida de qualquer criatividade, fabricada em série para atender o mercado de consumo. Deste modo, reintero que o problema de pesquisa visou responder a questão em torno de que maneira o professor lida com os afetos prazerosos/desprazerosos que envolvem a relação com o aluno no processo de inibição no ato de aprender.

A visão mais conservadora acerca da instituição escolar considera que, a mesma, tem como função preparar a criança para ingressar na sociedade, promovendo as aprendizagens reconhecidas como fundantes para o grupo social ao qual esse sujeito pertence. Nascimento (2006, p.51 e 52) sobre isso comenta que [...] “nas trilhas abertas pelas mudanças implementadas pela modernidade, foram concebidos muitos processos e meios de transmissão social do conhecimento”. No entanto, a escola foi o mais importante deles.

De uma maneira geral, corroborando tais teorias contemporâneas, o papel de representação do contexto social admitido pela escola é demonstrado ao eleger o universo cultural da classe dominante como modelo de instrução. Assim, o mesmo autor fala sobre a escola assumir como função principal preparar os sujeitos “para inserção na sociedade, entendida como mercado de trabalho” (Ibid, p.52) de maneira que por vezes a educação na contemporaneidade mais se aproxime da ideia de modelagem dos educandos.

4 A PSICANÁLISE ATRAVESSA A EDUCAÇÃO NA ONTEMPORÂNEIDADE

A pedagogia articulada com a psicanálise tem sido uma via de entrada do desejo no campo da educação para tratar o sintoma, que se manifesta no sujeito através da inibição no ato de aprender. Neste sentido, cabe referir sobre o que se pode acessar no que tange o atual estado da arte da construção teórica sobre as possíveis articulações entre psicanálise e educação. A opção desta perspectiva de educação atravessada pela psicanálise permite que o olhar lançado à inibição no ato de aprender, seja o olhar sobre o aluno-sujeito, pois de acordo com os estudos de Fernández (1991):

A maioria dos problemas de aprendizagem tem a ver com a instalação do registro simbólico. Diríamos, seguindo a terminologia de Lacan, que tem sua base em uma dificuldade da passagem do segundo ao terceiro tempo de Édipo, neste momento em que o pai deve transformar-se de “pai-terrível” que é Lei, Norma e Saber, em representante da lei, da norma e do saber. (FERNÁNDEZ, 1991, p. 27)

 
Ou seja, o não aprender, por vezes, pode ser uma resposta de aprendizagem, em virtude de estar à criança em certa posição de sua dinâmica de subjetivação, a qual só lhe permite dar conta da demanda de aprendizagem, da forma sintomática ou ser ainda o sintoma de uma demanda imperiosa de aprendizagem, na qual a criança apresenta a pulsão de saber interditada para se opor a exigência do Outro[4] como o “nada saber”. Na metáfora do fuxico a criança então passa a ocupar outro lugar considerando tal a plasticidade das “formas irregulares” constituídas a partir de retalhos.

O fato de, o professor, oportunizar-se a outros estilos, fará com que o (des)compasso possa ser redimensionado e a proposta de uma (re)significação sobre a inibição no ato de aprender possa ser efetivada. Transformar fuxicos isolados em uma peça única requer criatividade e desejo de que a teia, de retalhos redondos, faça outro sentido.

Freud (1913), nos seus escritos sobre a neurose nos dá a contribuição referindo:

[...] A Psicanálise tem frequentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela severidade inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses, ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer, que tem de ser pago pela normalidade na qual o educador insiste [...] Tudo que podemos esperar a título de profilaxia das neuroses no indivíduo se encontra nas mãos de uma educação psicanaliticamente esclarecida[5]. (FREUD, 1913, p. 191)

Torna-se assim, premente que o professor que faça parte da equipe institucional da escola, aqui proposta, reveja seu posicionamento frente inibição no ato de aprender, verificando se o aluno não está na escola apenas ocupando o lugar de fuxico, de um retalho inoportuno que atrapalha a ordem da escola. Ou ainda, ocupando apenas o lugar de aluno-objeto, aquele que repete o que lhe é ensinado, incapaz de produzir uma resposta própria de aprendizagem que é necessária e de fundamental importância para que este sujeito de posse dos seus atos e daqueles manejados pelo professor mostre ser um sujeito que cria e recria com conhecimento já que a inibição no ato de aprender seria um falso conhecimento que está impedindo o saber.

Esta modalidade de ato que discorre sobre a possibilidade de interface entre a psicanálise e a educação traz como principal contribuição o fato de oferecer possibilidades de descoberta de novos elementos de explicação para a inibição no ato de aprender que ultrapassam a dimensão sociológica ou sócio-política do fenômeno, posto que para entender como uma criança aprende ou não aprende, é necessário não apenas conhecer como opera sua estrutura lógica (a inteligência), mas também o seu simbólico. Afinal, as diferentes formas de inibição no ato de aprender, no registro individual, são respostas possíveis do aprendente às demandas da aprendizagem. Ou seja, o sintoma escolar pode ser uma das formas que o aluno apresenta como tentativa de sustentar-se na posição de sujeito quando se sente ameaçado pelas pressões do meio ambiente, conforme nos coloca Soares (2004).

Torna-se, desta maneira, necessário ampliar o olhar sobre o não-aprender entendendo que, por vezes, ele pode ser uma resposta de aprendizagem, em virtude de estar à criança em certa posição de sua dinâmica de subjetivação, a qual só lhe permite dar conta da demanda de aprendizagem, da forma sintomática. E a escuta pode ser um instrumento importante neste passe. Ornellas (2009) fala disso marcando ser preciso escutar o ambiente transferencial de sala de aula, lugar no qual acontece o ato educativo. É nesse ambiente que ocorre a escuta da relação professor-aluno, vista como um campo de condutas humanas. (ORNELLAS, 2009, p.55)

            Nesta perspectiva, o ato de escutar concebe a subjetividade como constituída através dos vínculos estabelecidos com o outro, enfatizando os componentes internos, subjetivos e intrapsíquicos do aprendente que, neste caso, é o sujeito da aprendizagem que se encontra em “processo de construção do conhecimento”.

O termo ‘inibição’ foi inaugurado por Freud em 1926 [1925], no texto intitulado Inibição, Sintoma e Ansiedade. Nele, o fundador da Psicanálise abandona a teoria inicial da ligação direta da angústia sendo originada da libido e a ressignifica como sendo uma reação a uma situação traumática. Neste texto, Freud salienta a importância da distinção entre sintomas e inibições considerando a segunda uma restrição de uma função do ego não necessariamente, patológica. O termo inibição pode ser considerado neste sentido uma intrusão no campo do simbólico e fazendo uma articulação do triádico[6] Inibição, Sintoma e Ansiedade (angústia) com a tópica Lacaniana do Real, Simbólico e Imaginário percebemos que as questões da aprendizagem podem ser consideradas como um sintoma no imaginário, apresentando também duas outras vertentes: simbólica e real, o que de acordo com Mrech (2003, p. 59) revela que “há algo além da relação professor-aluno de ordem especular”. Assim, a mesma autora traz o fato que há algo além dos fenômenos da aprendizagem pertencentes ao registro do imaginário e simbólico e que há também questões da inibição da aprendizagem concebidas a partir do registro do real.

O estudo das articulações topológicas auxilia no fato de estarmos na contemporaneidade enquanto cientistas sociais e educadores convocados a reinventar soluções para os pontos de impasse vivenciados, sobre o qual o psicanalista Melman (2003) assim expressa:

Estamos no ponto de passagem de uma cultura cuja religião obrigava aos seguidores o recalque dos desejos e a neurose para uma outra em que se propaga o direito de sua livre expressão e de uma plena satisfação. (MELMAN, 2003, p. 191)


A família e a escola deste modo são instituições sociais que estão submetidas, hoje, aos efeitos de uma mutação cultural que implica na desconsideração crescente dos valores que, até então, vinham sendo transmitidos pela tradição moral e política, o pensar sobre este fenômeno expressa o apreço pelo fato de ser através de múltiplas interações culturais e da constituição de um sistema de relações no espaço da família, que a criança se constitui, enquanto pessoa, inserida na complexidade da vida social. Desta forma, a função da família parece ser condição de sustentação para o crescimento do sujeito enquanto tal, para que este tenha apoio afetivo suficiente para crescer tolerante a frustrações, constituindo-se, assim, em um sujeito desejante, integrado e autônomo, capaz de aprender.

Semelhante ao artesão, o pesquisador precisa organizar-se para apreender a arte fuxico. Nesta pesquisa optei pela abordagem qualitativa devido ao fato da natureza do fenômeno que proponho estudar não ser adequada às medidas quantitativas. A escolha dos instrumentos de coleta de dados vislumbra a intenção da escolha de métodos que propiciem a apreensão dos dados acerca do objeto estudado. Assim, neste estudo optou-se por utilizar a observação, a entrevista narrativa e a narrativa imagética considerando que estes três interconectados propiciariam a colheita de dados de maneira sistematizada e, dariam forma aos passos fuxicos na construção da peça. O material coletado neste estudo através das observações, entrevistas e narrativas imagéticas passou pelo processo de escuta, degravação e, sua análise foi realizada com o uso da Análise do Discurso (AD) de vertente francesa. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados com base no critério de serem professores do segmento de Fundamental I e também do critério de desejo de participação. Os sujeitos desta pesquisa, a partir da análise dos formulários, podem assim ser descritos de maneira sistematizada:

 
Código do Participante
 
Idade
Estado Civil
 
Etnia
Renda
(em Salário Mínimo)
Nível de escolaridade
 
CH
 
Imagem Escolhida
Professora 01
41 anos
Casada
Parda[7]
Entre 02-05 SM
Especialista
40
01
Professora 02
43 anos
Casada
Parda
Acima de 10 SM
Doutoranda
40
01
Professora 03
40 anos
Casada
Parda
Entre 05-10 SM
Especialista
40
03
Professora 04
39 anos
Casada
Parda
Entre 02-05 SM
Especialista
40
02
Professora 05
47 anos
Separada
Preta
Entre 02-05 SM
Especialista
40
02
Professora 06
49 anos
Casada
Parda
Entre 02-05 SM
Especialista
40
02

Tabela 1 - Categorização das falas sujeitos da pesquisa

 A organização das observações, narrativas e entrevistas foram sistematizadas na tabela abaixo de modo a revelar aproximações e distanciamentos.

 
CATEGORIA
APREENSÃO DO DADO
DESCRIÇÃO
TRIANGULAÇÃO
 
A
 
 
 
 
 
OBSERVAÇÃO
Dentro-Fora da sala de aula
O entrar e sair da sala de aula
B
Aluno inibido no aprender
A inibição propriamente dita
C
Aprender no campo do impossível
A inibição propriamente dita
D
Participação da família no aprender
A escola e sua interface com a família
E
Bicho papão do aluno
A inibição propriamente dita
F
 
 
 
NARRATIVA
Leitura das letras da escola
A inibição propriamente dita
G
Fuxico de aluno
O aluno no lugar de fuxico
H
Sim e Não na presença da família
A escola e sua interface com a família
I
 
ENTREVISTA
Aluno Inibido: sinônimo de retraído
A inibição propriamente dita
J
Inibição e dificuldade instrumental
A inibição propriamente dita

Tabela 2 – Triangulação dos achados coletados nas observações, narrativas e entrevistas.

 
A emergência das falas a partir do uso dos instrumentos permitiu articular as categorias descritivas iniciais, que foram extraídas de cada um deles, e passaram a se conectar numa cosmo-visão a qual tenta-se explorar em detalhe. Embora os pontos de vista apresentados reflitam os resíduos ou as memórias da conversação, a construção do enlace por parte do pesquisador é que permitirá a tessitura do que foi apreendido. Aqui me permito à interdisciplinaridade teórica e remeto a topologia lacaniana do Nó Borromeu que outrora foi referido.

Se considerarmos que na estrutura borromeica a consistência afetada pelo imaginário de um buraco fundamental resulta do simbólico e de uma existência que pertence ao real (Dor, 1989) o enlace deles pode ser comparado ao enlace dos dados no qual o simbólico seria a fala dos sujeitos, o imaginário seria a análise do discurso feita pelo pesquisador e o real seria o que escapa de ser apreendido por estar na incompletude estrutural, na falta.

 
5 A PEÇA DE FUXICO

A partir da perspectiva teórica psicanalítica distinguiu-se introdutoriamente sobre as terminologias dificuldade, fracasso e inibição dando-se enfoque a esta última conforme fora trazida por Freud no texto Inibição, Sintoma e Ansiedade (1926 [1925]). Percebendo-se, desta maneira, a inibição na relação com o trabalho intelectual e ainda aquiesça a forma sublimada de se obter satisfação mediante um desvio pulsional utilizou-se também o olhar sob prisma da contribuição lacaniana que versa no que tange esta percepção terminológica acerca da consideração da mesma pela via da constituição do sujeito do desejo e da categoria inibição passando a um efeito da estrutura do ser falante inerente à própria organização dos objetos pulsionais.

Diante disso ainda foram trazidas as problematizações que visam ampliar o olhar e a articulação com teorias que sustentam uma nova perspectiva do aluno num tom contemporâneo e foi apresentada para isso a possibilidade do atravessamento da psicanálise à educação como um novo estilo. A constituição do sujeito na aprendizagem e a inibição no ato de aprender foram metaforicamente expostas fazendo alusão ao alinhavo do fuxico que parece ter sido feito borromeico no que tange o papel da família nesta estruturação e a interface também do professor frente tal estrutura.

Penso ainda que destarte tratar da inibição propriamente dita, que os achados quanto o aluno ocupar o lugar de fuxico e quanto à importância da interface escola-família marcam os sentidos por mim apreendidos nesta pesquisa.
 
REFERÊNCIAS
COHEN, Ruth Helena Pinto. Projeto Aleph: testemunho de uma prática. In: COHEN, Ruth Helena Pinto. Psicanalistas e Educadores: tecendo laços. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2009.

DOR, Joel. Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artmed, 1991.

FERREIRA, Aurélio. B. H. Minidicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977.

FREUD, Sigmund.  O interesse Educacional da Psicanálise (1913). In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

______. Inibição, Sintoma e Ansiedade (1926 [1925]). In: Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.

MRECH, Leny Magalhães. Psicanálise e Educação - Novos Operadores de Leitura. São Paulo: Pioneira, 2003.

NASCIMENTO, Antonio Dias. Contemporaneidade: educação, etnocentrismo e diversidade. In: LIMA JR., A.S E HERTKOWSKI, T.M. (org.) Educação e contemporaneidade: desafios para a pesquisa e a pós-graduação. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.

ORNELLAS, Maria de Lourdes. Afetos manifestos na sala de aula. São Paulo: Annablume, 2009.

ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

ROUDINESCO, Elizabeth & PLON, Michael. Dicionário da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

SOARES, Jacy Célia da Franca. Psicanálise e Educação: novas aproximações num tempo de mutações. Revista da Faced, n° 08, 2004, p. 195 – 207.


[1] Psicóloga, Psicopedagoga, Mestre em Educação e Contemporaneidade - UNEB; Pesquisadora do GEPE-rs (Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação Social);  ludy_fonseca@yahoo.com.br
[2] Aqui me refiro à construção lacaniana “nó borromeu” de 1972, no qual três círculos de cordão são atados de forma que se cortarmos qualquer um deles desfaz a junção com os outros dois círculos. Estes círculos trazem a representação das três categorias (Real-Simbólico-Imaginário) as quais de acordo com Lacan devem ser mantidas juntas. Cf. Roudisnesco & Plon, 1998, p.541.
[3] Significante – termo introduzido por Ferdinand de Saussure no quadro de sua teoria estrutural da língua retomado por Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento sendo o significante o elemento significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica. (Cf. ROUDINESCO, 1998, p. 708)
[4] Outro – Termo utilizado por Lacan para designar lugar simbólico – o significante, a lei, a linguagem, o inconsciente – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo. (Cf. ROUDINESCO, 1998, p.558)
[5] Tema que estamos discutindo nos grupos de estudos e nos colóquios da linha de Psicanálise e Educação do Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação Social (Gepe-rs)
[6] Termo usado por Lacan no Seminário de 17 de dezembro de 1974 para referir-se ao texto de Freud Inibição, Sintoma e Angústia.
[7] Utilizei a categoria “parda” referindo o que foi dito pelos sujeitos da pesquisa.

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