quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

CU É LINDO - POR ANA RITA FERRAZ

Então meus caros hoje segue a resenha de uma amiga especial que de fato inspira ao nos fazer pensar sobre esse monossílabo tônico ...

 

CU É LINDO


Por Ana Rita Ferraz



Durante muitos anos, orientei a minha vida pela máxima “quem tem cu tem medo”. Como ouvira dizer que a voz do povo é a voz de Deus, pensava ser este, talvez, mais um mandamento. Por dedução lógica: ora, se todos têm cu, todos têm medo. Medo de quê? Curiosa que sempre fui permaneci atenta a esta conversa de cu. “É foda no cu de Creuza”, “cu de ferro”, e ainda tinha gente que dava o “cu na praça”, diziam. Um dia recebi pela internet uma foto da capa de um LP de Tom Zé; era uma foto de um cu enfeitado por uma gude; chamava-se “Todos os olhos” - talvez aquele fosse o tal “olho do cu”, possibilidade de mirar a ditadura de outra perspectiva. E a galhofa foi aprovada - o poder não vê com todos os olhos, descobrimos. Literalmente um cu enfeitando vitrinas; um “cu piscando” e rindo dos generais.
Pois, esta história de cu tornou-se, para mim, tema de pesquisa. Sempre fui seduzida pela liberdade das palavras. Elas escapam, pensava. Um dia, diante de uma platéia com ares de intelectualidade, um amigo soletrou com cadência: "bo-ce-ta". E libertou a coitada da peja de palavrão. "Agora que os intelectuais da Folha de São Paulo a escreveram, todos vocês já podem falar", dizia ele. O recado estava dado:
- Desacomodem-se, senhores e senhoras, libertai-vos do virtuosismo, a língua do povo espoca nas ruas e nas nossas caras!
Um caso envolvendo o cu, aliás, muito pe(cu)liar, chamou-me a atenção. O mesmo amigo contou-me que quando pequeno seus irmãos mais velhos o pegavam à força para lhe cuspir o cu. Diziam que assim lhe roubavam a honra. Na verdade, não sei se perdeu a honra, mas esse sujeito é, para mim, muito especial; talvez o fato inusitado tenha lhe dado um certo charme e uma irreverência inconfundíveis. Conheço um outro que foi igualmente submetido por uma mulher; esse, num ritual de pura paixão. Até hoje sonha com ela.
Vejam que esta é uma preocupação antiga. Aos poucos, reparando aqui e acolá fui me deparando com situações que exigiam de mim uma posição firme (?) diante das palavras. Foi aí que vi grafado num muro o contraponto daquela máxima que me oprimia há tantos anos: “quem tem medo de cagar não come”. Puta que o pariu, pensei e mais que rápido fiz as associações que me pareciam devidas: “quem tem cu tem medo”, mas “quem tem medo de cagar não come”, e mesmo, “passarinho que come pedra sabe o cu que tem”. Aí reside a sabedoria popular. Com a minha adversativa criei o conflito que precisava para me (re)posicionar diante do mundo. Sim, tenho medo, mas preciso me alimentar; afinal, “saco vazio não se põe de pé”. E como diz Adélia Prado: “cu é lindo”.


 
(Sou Ana Rita Queiroz Ferraz, psicóloga por profissão. O que gosto muito é mexer com as palavras no mais profundo dos seus risos todos, com toda a irreverência que elas podem conter. Assim me fiz, assim me sou).

2 comentários:

  1. Grande Ana! Simplesmente sempre fantástica!!!!

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  2. De fato "Quinto Elemento" essa minha grande-amiga Ana Rita é uma pessoa singular que dia a dia me inquieta e me faz pensar nas coisas da vida.

    Milla

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